12 junho 2021

Mattamouros não desiste de ação contra Vieira: “Criei uma equipa e tenho provas”. "Comunicado do Benfica revela preocupação". Leia toda a explicação

Por considerar que Luís Filipe Vieira usou o Benfica na sua esfera pessoal, nomeadamente na relação com o Novo Banco e na falhada OPA do clube à SAD, o sócio das águias Jorge Mattamouros entrou com uma ação em tribunal que visa a destituição automática do presidente encarnado ou a anulação de umas eleições que avalia como fraudulentas. Em entrevista ao jornal O Jogo, explica tudo.

Porque razão avançou apenas agora com esta ação, até tendo em conta que as eleições foram em outubro?

—Esta ação tem como objetivo principal a perda de mandato de Luís Filipe Vieira. Avancei com a ação agora porque na minha avaliação o Benfica está numa situação de falência moral e institucional em termos do exercício do poder da sua presidência sem comparação na sua história. A degradação tem vindo a agravar-se, o espetáculo na Comissão Parlamentar de Inquérito ao Novo Banco, não sendo o facto decisivo, é uma demonstração recente que mostra a todo o país aquilo que os benfiquistas têm sentido. Isto não é uma ação sobre as eleições, é para libertar o Benfica de Luís Filipe Vieira. É contra ele, para proteger o Benfica e não contra os parceiros de negócio. É uma ação cível contra Luís Filipe Vieira na sua qualidade de presidente e não na qualidade pessoal, para o afastar da presidência e proteger o clube.

O Benfica também foi visado nessa ação…

—O Benfica é parte da ação por causa do período eleitoral. Como as eleições são do clube, não tinha forma de pedir a anulação se o clube não fosse parte, mas o objeto, o adversário na ação, é Luís Filipe Vieira assumidamente. E a este respeito acrescento que no dia em que Luís Filipe Vieira sair, se for antes da ação terminar, pelo seu pé ou por via de uma qualquer medida cautelar relativa aos processos criminais que estão a decorrer, terminarei a ação no dia seguinte.

Este era, no seu entender, o timing mais adequado para avançar com a ação?

—Eu achei que faria sentido que esta bomba rebentasse logo a seguir ao final de uma época complicada para o clube. Quando o objetivo é libertar o Benfica de Luís Filipe Vieira, aquilo que eu procuro é quais são os fundamentos jurídicos e busco todas as formas jurídicas lícitas. E há duas formas de o fazer: uma é a perda de mandato automática e outra a anulação das eleições. E nos dois casos com fundamento.

Alega que Luís Filipe Vieira fez uso indevido de fundos do Benfica. Tem em seu poder provas que as sustentem descobertas por si ou resultantes das investigações do Ministério Público?

—É uma combinação. Preocupado a situação, tenho feito o meu trabalho e tentado perceber o que se passa, criei uma equipa e tenho tentado destapar tudo para entender a gravidade e profundidade dos problemas. Há duas alegações principais, uma em que dinheiro saiu das contas do Benfica em numerário por via de contratos fictícios, que foi feita pelo Ministério Público, está escrito numa nota de 2018, na qual está escrito que a única preocupação destes contratos é retirar dinheiro das contas do Benfica. Não há surpresa nenhuma para ninguém.

Alega na ação que houve dinheiro do Benfica a seguir para a Promovalor, empresa do presidente do Benfica…

—O que eu acrescento, e é grave, é que parte desse dinheiro foi entregue a pessoas da Promovalor [empresa de Luís Filipe Vieira]. É essa a minha alegação. Imagine-se que o Benfica vem e até mostra que havia fundamento para isso, então logo veremos. Agora, haver dinheiro do Benfica a ser entregue a pessoas da Promovalor é gravíssimo. Para essa alegação, sim, tenho prova, não o faria se não tivesse, mas não vou desvendar. Se desvendar agora, o Benfica vai fazer 30 por uma linha até ao julgamento. O que posso dizer é que a prova existe.

A sua ligação familiar, por serem cunhados, a João Noronha Lopes, candidato vencido nas últimas eleições, tem alguma ligação a esta sua decisão, como destaca o Benfica no comunicado de anteontem em resposta à apresentação desta ação?

—Sou familiar de João Noronha Lopes, fui apoiante dele nas eleições, o Benfica não disse nada de novo naquele comunicado. Sou amigo, cunhado e fui apoiante durante a campanha. Eu comecei a ir a Assembleias Gerais do Benfica com 16 anos, não tinha a menor ideia quem era João Noronha Lopes. Eu não cheguei aos 30 e tal anos ao topo da advocacia mundial, passe a imodéstia, sendo moço de recados de ninguém. O João Noronha Lopes é um grande benfiquista, excelente executivo, pensa pela cabeça dele e tem um cunhado com uma vida autónoma e uma carreira de sucesso internacional, que também é um grande benfiquista.

Falou com ele antes de avançar com esta ação?

—Quem falar comigo percebe, desde logo, que não sou um pau mandado. É claro que falei com ele, dei-lhe notícia de que estava a preparar esta ação numa fase já avançada e foi intencional, para que ele não fosse parte do processo. Informei por cortesia. Ele disse-me que era a posição de cada um. Não estamos articulados, como se percebe pelo comunicado que ele emitiu ontem, mas não estamos desavindos nem zangados. Ele disse-me que não era a via que preconizava e eu aceito. O Benfica precisa de mudança e eu segui o meu caminho.

Recusa ser considerado um testa de ferro de Noronha Lopes para uma futura recandidatura dele?

—Só posso dizer claramente que não e as pessoas com o tempo perceberão se é verdade ou não aquilo que eu digo. Mas digo mais, a minha visão para considerar que esta ação é importante casa com a visão do João, pois há uma comunhão de interesses e objetivos de pessoas que têm estado preocupadas. E essa comunhão é libertar o Benfica de Luís Filipe Vieira. A diferença, que é legítima, é que algumas pessoas pensam que é possível fazê-lo pela via normal, dos órgãos do clube. Acho isso tudo ótimo, a minha diferença é que eu já não acredito nesses mecanismos internos porque todo o clube está capturado, desde a BTV à Direção, à comunicação. Se eu estiver errado, se o caminho deles for suficiente, a minha ação morre porque o problema fica resolvido.

Este processo poderá ter um desfecho antes de terminar o mandato de Luís Filipe Vieira, em outubro de 2024?

—Acredito. Este não é um processo-crime, que demoram sete ou oito anos, é um processo cível, que pode demorar um ou dois anos.

O Benfica prometeu que o autor desta ação “sofrerá todas as consequências patrimoniais e associativas por agredir o Benfica com a única finalidade de se promover”. Ficou preocupado?

—De forma alguma. O que eu faço na minha carreira são alguns dos litígios mais mediáticos do mundo nos últimos dez anos, não é atirar postas de pescada, é o que eu faço. É pratica comum quando uma das partes está muito nervosa reagir com enorme agressividade, com uma ameaça. Aquilo que vejo, para além de um comunicado em que mais uma vez confunde o Benfica com Luís Filipe Vieira, porque sai em defesa dele, é uma ação que revela preocupação.

A sua ação sustenta-se em parte na liquidação da dívida do Benfica ao Novo Banco e da relação que isso terá tido na reestruturação da dívida pessoal de Luís Filipe Vieira à mesma instituição bancária. Como faz essa ligação?

—O passivo geral do clube não foi reduzido significativamente nesse período, houve alguma redução, mas houve uma amortização total com um banco apenas, o Novo Banco. A utilização de dinheiro do Benfica para pagar dívida do Benfica é obviamente adequada, não tem nada de ilegal. Quando tomo a decisão de pagar dívida bancária a este banco específico porque estou a título pessoal a negociar com ele uma reestruturação, isso é que é o problema. Podem perguntar-me se tenho prova disso, mas respondo que é uma prova por inferência, ninguém irá conseguir mostrar que era essa a intenção que estava na cabeça de Luís Filipe Vieira. A questão é se a prova é ou não suficiente, toda junta, para conduzir à inferência lógica de que houve influência do pagamento das dívidas do Benfica no processo de reestruturação de Luís Filipe Vieira.

Nos pressupostos da ação, alega que houve fraude eleitoral nas eleições do Benfica, em outubro. De que forma é que essa fraude aconteceu?

—A minha ação o que diz é diferente. Diz que foi sonegada ao sócio toda e qualquer possibilidade de escrutinar o resultado. Não se contam os votos e as urnas desaparecem. Houve controlo absoluto do voto eletrónico, sem mais ninguém na sala, sem auditor externo. O que eu digo é que o processo eleitoral foi fraudulento, foi desenhado do princípio ao fim para assegurar a manutenção de poder de Luís Filipe Vieira. Digo isto sem reserva nenhuma e tenho prova abundante e pública. Não houve cadernos eleitorais, a marcação das eleições foi feita cinco dias antes, que é uma irregularidade estatutária, as urnas foram escondidas para evitar qualquer perceção de fraude e à última da hora foram seladas e transportadas para parte incerta por uma empresa obviamente associada ao clube e a Luís Filipe Vieira. Só depois vem o voto eletrónico e o que eu digo na ação é que todos os indícios apontam para fraude, mas não digo que foram adulterados os resultados, digo que os indícios apontam nesse sentido. Quando o processo de voto não é justo e democrático, isso serve para que os tribunais anulem as eleições.

Critica também o timing de lançamento da OPA do Benfica e o suposto benefício de Luís Filipe Vieira…

—A audição de Luís Filipe Vieira trouxe muita informação nova. Sabia-se que a OPA foi considerada irregular, o que se percebeu agora é o porquê de ter sido montada. Podem dizer-me que é inferência minha, é inferência sim, mas com as peças todas do puzzle o juiz tem de decidir se 51% é mais provável que esta OPA teve envolvimento de interesses pessoais ou que não teve. A minha inferência é que a OPA teve uma razão de ser associado aos interesses pessoais de Luís Filipe Vieira.

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