Quando o Sporting tentou Pelé e Garrincha. O dinheiro colocado na mesa

Vendo o Benfica ganhar por duas vezes a Taça dos Campeões Europeus, ao tomar posse como presidente do Sporting (a 10 de abril de 1963), Horácio Sá Viana Rebelo (que haveria de ser, como Ministro da Defesa de Marcelo Caetano, responsável por medida que levaria os capitães do MFA à Revolução de 25 de abril de 1974) imaginou criar no Sporting equipa ainda melhor. Apesar de Juca ter sido campeão, concordou que melhor seria contratar treinador de maior renome - e, apesar da sua ligação ao salazarismo, a sua primeira tentação foi um... comunista: Gustav Sebes - que fora selecionador do fascinante Dream Team da Hungria que a invasão soviética de Budapeste estraçalhara, levando a que Puskas, Kocsis, Czibor (& e várias outras estrelas) se tornassem exilados políticos. Quando Sebes (que também era ministro dos Desportos) recebeu, surpreendido, o convite dele, correu a pedir autorização ao governo (que a URSS voltara a impor à força dos seus tanques) e, não lha dando, veio Gentil Cardoso para Alvalade.

Antes, porém, do arranque para a Taça das Taças que o Sporting conquistaria (no cantinho de Morais) - Sá Viana Rebelo enviou António Abrantes Mendes ao Brasil em busca de reforços. Percebendo Garrincha insatisfeito (e em... 'guerra aberta' com o Botafogo) tentou-o, mas o clube cortou-lhe o sonho de rompante.

Tempos antes, o jornal A Bola noticiara-o: o Santos dera a Pelé novo contrato, ele próprio revelou os seus valores a Jaime Luis: «É por três anos, ordenado de 80 mil cruzeiros mensais, fora os bichos». Os bichos era como se chamavam, por lá, aos prémios: «Mas tem mais: um carro Volkwagen, um prédio de dois pisos para eu por de renda - e sabe mesmo quanto é que me pagaram só para eu pôr a assinatura no contrato? Me pagaram 7 milhões e meio de cruzeiros» (7 milhões e meio de cruzeiros não andavam longe de 300 contos - e 300 contos fora o que Béla Guttmann recebera por cada Taça dos Campeões ganha no Benfica.)

«Mas, antes, o Inter de Milão ofereceu 80 milhões ao Santos e 20 para mim - e o Real Madrid jogou com 100 milhões de cruzeiros, 40 milhões para mim. Não aceitei, porque tinha de ter acordo com o Santos - e o Santos não aceitou..

Escutando, todavia, rumor de que (apesar do que lhe pagavam...) havia em Pelé uma mágoa - e que de si se soltavam cada vez mais queixas de «perseguição de que vinha sendo vítima por parte de árbitros e de uma certa imprensa paulista», lhe passava já pela cabeça «ir-se embora» até, António Abrantes Mendes apanhou o primeiro avião para São Paulo, procurou Athié Jorge Coury (o presidente do Santos que de guarda-redes passara a deputado federal e se tornara seu amigo havia muito) e pediu-lhe Pelé por empréstimo. A resposta que levou A Bola publicou-a assim: «Tentei, mas não obtive éxito, infelizmente. Seria um alto negócio. Não, não se falou em cifras porque o deputado Athié me disse que o Santos não vende e muito menos empresta Pelé porque isso causaria uma revolução na cidade e trazia uma séria crise interna ao país... Diante disso, não podia dizer mais, senão agradecer a maneira gentil como me recebeu. O meu plano? Olhe, eu chegaria aos 2000 contos só pela cedência de Pelé por um ano e daria ao craque 20 contos por mês. O valor das luvas é que ainda não estava decidido, mas não seria problema, acredito. O Sporting aguentaria isso. Já tinha a adesão de diversos sportinguistas «cheios de massa», radicados no Brasil, e Pelé significava casa cheia todos os domingos, além das pelejas amistosas que renderiam somas fabulosas ao Sporting, fora do pais. Era um negócio da China, não tenho dúvidas..»

Claro que era um negócio da China. Sobretudo porque já se sabia que a Juventus oferecera a Eusébio 16 mil contos só pela assinatura de contrato, mas Salazar decretando-o... «instituição nacional» mandara-o para a tropa como soldado operador de radares - e que Béla Guttmann ao deixar o Benfica fora para o Peñarol a 72 contos por mês.

Na última semana de agosto de 1963 emissário do Milan foi a Santos com proposta diferente da do Sporting na forma: não queria o empréstimo de Pelé, queria o passe de Pelé. Pelo passe de Pelé dava um milhão de dólares - que era, então, o equivalente a 29 mil contos. A resposta foi não. Correu, então, ao Botafogo a oferecer o mesmo por Garrincha - e a resposta voltou a ser não. O mesmo que acontecera a António Abrantes Mendes.

* artigo retirado do jornal A Bola