09 maio 2021

O calote de 54 milhões entre Vieira e o Benfica

Corria julho de 2019 e o Novo Banco estava perto de fechar a venda de uma carteira de crédito malparado de grandes devedores chamada Nata2. Em Lisboa, Luís Filipe Vieira, empresário e presidente do Benfica, reunia-se com representantes dos dois fundos norte-americanos que disputavam a fase final da compra da Nata2, a Davidson Kempner e a Bain. Este será um dos assuntos a que o presidente do Benfica terá de responder, amanhã, segunda-feira, na comissão parlamentar de inquérito ao Novo Banco.
O assunto das duas reuniões de 2019, uma com cada um dos fundos, era uma dívida raramente mencionada quando se fala de Vieira e do Novo Banco: o calote de 54,3 milhões de euros da empresa Imosteps. Vieira estava ali com uma proposta para os dois fundos candidatos, que passava por comprar essa dívida por um valor mais alto do que aquele que os fundos estavam a oferecer ao Novo Banco.
Havia uma razão para a oferta: nas mãos impacientes de um fundo-abutre, aquela dívida seria um risco para a sua recandidatura à presidência do Benfica no ano seguinte.
Os fundos estavam dispostos a pagar só perto de 4 milhões de euros ao Novo Banco pela dívida da Imosteps, menos de 10% do seu valor nominal, segundo apurou a SÁBADO. Nas reuniões, a equipa de financeiros que acompanhava Luís Filipe Vieira levou uma proposta entre 7 e 8 milhões de euros – uma diferença suficientemente grande para significar um retorno interessante para os fundos, cuja avaliação dos ativos imobiliários da Imosteps, no Brasil, era muito negativa. A mesma proposta já tinha sido feita ao próprio Novo Banco mas, segundo apurou a SÁBADO, foi barrada pelo Fundo de Resolução.
A carteira Nata2 acabaria por ser vendida em setembro desse ano pelo Novo Banco à Davidson Kempner, que apesar de ter feito uma proposta mais baixa levou este calote de Vieira no pacote que incluía o calote de 538 milhões de euros de Bernardo Moniz da Maia – o mesmo que, no fim de abril, alegou falta de memória na Comissão de Inquérito Parlamentar ao Novo Banco – e de outros devedores proeminentes.
As duas reuniões levantam a ponta do véu sobre um dos desfechos possíveis depois de as dívidas saírem dos balanços dos bancos: o próprio devedor arranja formas de negociar uma saída, a saldo face à dívida original, com os fundos de capital privado que ficam com essas dívidas. No caso da Imosteps, tirar a dívida da Davidson Kempner era do interesse do devedor.
Luís Filipe Vieira tinha um aval pessoal a garantir a dívida, mas pouco com que sustentar esse aval – a única coisa em seu nome, apurou a SÁBADO junto de fontes conhecedoras do processo, era uma casa modesta na Margem Sul do Tejo, cujo valor era uma fração do montante em dívida. A estratégia típica dos fundos nestes casos é avançar para o pedido de insolvência pessoal, uma forma de cercar a reputação e pressionar a negociação.
Para Vieira, que estava a meses de se recandidatar à liderança do Benfica, isso seria um risco a evitar. Por um lado, o tribunal que declara a insolvência poderia, a pedido de um credor, qualificá-la como culposa e impor sanções acessórias, como a inibição do exercício de cargos em sociedades comerciais. Por outro, a divulgação pública desse facto seria um obstáculo reputacional à recandidatura. Luís Filipe Vieira precisava, por isso, que o dono daquela dívida fosse mais paciente – tal como o Novo Banco fora.
Vieira não estava na reunião com os fundos a investir em seu nome – havia um investidor, cuja identidade a SÁBADO não conseguiu apurar. A SÁBADO perguntou a Luís Filipe Vieira sobre os valores propostos nas reuniões, a identidade do investidor e a concretização da operação. O empresário remeteu as respostas sobre as suas dívidas para a audição na Comissão Parlamentar de Inquérito, a 10 de maio.
A dívida da Imosteps foi revelada pela SÁBADO em agosto de 2019. A empresa está registada em Portugal como promotora imobiliária, mas tem uma estrutura complexa. A Imosteps é uma holding: gere participações noutras empresas. Em 2019 tinha 50% de outra holding, chamada OATA, de que o Novo Banco também era sócio, com o BCP e o grupo madeirense AFA.
A OATA, por sua vez, era dona de uma sociedade americana, a Mural, registada no offshore do Delaware. E a Mural era dona de cinco sociedades imobiliárias no Brasil, proprietárias de terrenos: cemitérios em Piabas e Guaritiba, mais 102 mil metros quadrados de área edificável, segundo um documento interno do Novo Banco. Muitos desses terrenos eram problemáticos e a sua rentabilização duvidosa – num deles, por exemplo, estava uma favela.
No campo de Luís Filipe Vieira há uma explicação para este calote que o Novo Banco herdou do BES: uma parte daqueles ativos problemáticos pertenceria na realidade ao Grupo Espírito Santo e a Imosteps ficou com eles num alegado acordo entre Vieira e Ricardo Salgado, aliados próximos no mundo dos negócios.
Nesse acordo, o BES continuava a financiar a Imosteps. Após a resolução do BES, em 2014, o problema ficou no balanço do Novo Banco. A confirmar-se esta versão, aqueles ativos pertenceriam, em boa parte, ao "BES mau", onde ficou a exposição do banco aos negócios da família Espírito Santo.
No acordo de reestruturação da dívida do universo empresarial de Luís Filipe Vieira, em 2017, o calote da Imosteps foi tratado como uma realidade à parte. Um documento interno do Novo Banco de julho de 2016, a que a SÁBADO teve acesso, mostra a decisão de não incluir a Imosteps na reestruturação da dívida empresarial de Vieira – onde se destaca a Promovalor – e a estratégia do banco para recuperar valor: esperar.
"Relativamente à entidade Imosteps, não abrangida no perímetro da solução, perspetiva-se a restituição de suprimentos e obtenção de dividendos, a prazo, da sua participada OATA, através da alienação de direitos construtivos no município do Rio de Janeiro e da venda parcial do negócio dos cemitérios", lê-se no documento. "Apesar dos incumprimentos existentes, consideramos ser esta a estratégia mais adequada à recuperação futura dos créditos", apontava o banco.
O penhor que existia sobre os suprimentos (empréstimos dos sócios à própria sociedade) nada gerou porque o valor baixo da empresa não o permitiu. Os terrenos ficaram onde estavam. E, três anos depois da decisão do Novo Banco, a dívida estava exatamente nos mesmos 54,3 milhões de euros, acabando vendida com desconto ao fundo-abutre.
A Imosteps era a 15ª maior dívida na Nata2 e os 54,3 milhões de euros estavam todos em incumprimento há anos – com a venda por cerca de 4 milhões de euros, o Novo Banco encaixou aqui uma perda total de 50 milhões. A SÁBADO perguntou ao Novo Banco por que razão não incluiu a Imosteps na reestruturação da dívida de Vieira e porque não executou o aval, mas não obteve resposta.
A Imosteps mudou de mãos: o registo púbico mostra que a administração (onde estavam o filho de Vieira e dois sócios habituais do empresário) foi substituída este ano por dois sócios de um pequeno fundo de capital privado português, a Cedrus. A presença deste fundo sugere um acordo de conversão da dívida em capital. Ou seja: Vieira recandidatou-se sem este obstáculo no caminho e o problema da dívida da Imosteps foi negociado e resolvido. Resta saber de onde veio o dinheiro para o resolver.

4 comentários:

  1. Titulos merdosos, dando a ideia que o Benfica também é caloteiro! Desprezíveis...quando ligam para assinar A SABADO, mando-os sempre para onde não querem ir. Também me surpreende que esta página benfiquista acolha diariamente as arrozadas do FORA-DE-JOGO que são antibenfiquistas primários, guiando-se por ex. no que se refere a lances duvidosos por aquele TRIBUNAL de servos de Contumil, apitadeiros do Apito Dourado.....Contado, ninguem acredita.....

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    1. A mim não me surpreende é o seres tão jumento.
      Puta que te pariu.

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  2. O LFV no Parlamento deverá ser um fartote de rir.

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  3. Cito "Foi o LFV que deitou o banco a baixo" , o património é um palheiro de galinha! é só rir este Galinheiro ter um presidente assim, UM CALOTEIRO!!!

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